Nos últimos anos, um tipo específico de escrita passou a ganhar espaço nas comunicações de relacionamento de algumas marcas. Ela aparece em botões, banners, e-mails e landing pages com um tom supostamente bem-humorado, irônico ou “esperto”, mas que carrega algo mais profundo: a tentativa de constranger o usuário para forçar uma decisão.

É quando a escolha deixa de ser uma escolha de verdade. De um lado, a opção positiva, clara, quase óbvia. Do outro, uma negativa construída para ridicularizar quem não aceita a oferta. Não é apenas “não quero aproveitar agora”. É algo como “não quero porque não entendo”, “não quero porque não sou capaz”, “não quero porque prefiro perder dinheiro”. A mensagem implícita é simples e perigosa: se você não concorda com a marca, o problema é você.

Esse tipo de escrita costuma ser defendido com argumentos pragmáticos. Converte. Funciona em testes A/B. Aumenta cliques. Reduz abandono. E, isoladamente, isso pode até ser verdade. O problema é que relacionamento não se mede apenas pelo que acontece no momento do clique. Existe um efeito colateral silencioso que raramente aparece nos dashboards: o desgaste da confiança.

Quando uma marca opta por esse tom, ela estabelece uma relação de superioridade. Ela se coloca como quem sabe, quem entende, quem enxerga o óbvio, enquanto o cliente ocupa o papel de alguém que precisa ser empurrado, corrigido ou exposto ao ridículo para tomar a “decisão certa”. Não é persuasão. É constrangimento disfarçado de copy criativa.

E isso se torna ainda mais incoerente quando falamos de comunicação de relacionamento, fidelidade ou assinatura. Relacionamento pressupõe continuidade. Pressupõe respeito. Pressupõe reconhecer que o outro pode não estar pronto, não ver valor naquele momento ou simplesmente não querer. Tratar a recusa como falha intelectual é incompatível com qualquer discurso de longo prazo.

Existe também um aspecto psicológico pouco discutido. Mesmo quando o usuário clica, compra ou aceita a oferta, algo se quebra. Fica a sensação de ter sido manipulado, julgado ou pressionado. A conversão acontece, mas a relação sai menor. O cliente entra, mas entra desconfiado. E desconfiança não se resolve com novos descontos ou comunicações mais frequentes.

Curiosamente, muitas marcas que adotam esse tipo de escrita dizem querer proximidade, empatia e diálogo. Mas o texto entrega o oposto. Ironia não é empatia. Sarcasmo não é proximidade. Inteligência não é fazer o outro se sentir menos inteligente. No fim, a marca fala muito, mas escuta pouco.

Talvez o ponto central não seja discutir se esse tipo de comunicação funciona ou não. A pergunta mais honesta é: funciona para quê? Para uma conversão isolada ou para uma relação consistente? Para inflar números de curto prazo ou para construir valor ao longo do tempo? Porque toda escolha de linguagem revela, mesmo sem querer, como a empresa enxerga seus próprios clientes.

Em um cenário em que marcas disputam atenção, confiança e lealdade, a forma como se fala importa tanto quanto o que se oferece. Comunicação de relacionamento não deveria ser um jogo de constrangimento, mas um exercício contínuo de clareza e respeito.

Mesmo eu, que sou um consumidor e estudioso do marketing de relacionamento, preciso dia após dia, desligar as notificações de apps que uso, me descadastrar de newsletters que gostava de ler e colocar marcas que eu admirava no SPAM.

artigos recentes